quinta-feira, 26 de março de 2009

Lori, aos 13:

Bom, terminei de ler "O Diário de Anne Frank". É impressionante como me inspirou em escrever alguma coisa, assim como ela escrevia... sei lá... com sentimento. Adorei o livro, é muito bom e bem triste. Fiquei até meio revoltada, porque essa menina, que passou por tanta coisa, e teve que ficar enjaulada durante, o que... 3 anos (!), teve um amadurecimento e formou uma personalidade tão marcante, maravilhosa, muito mais avançada para a época em que viveu!
O motivo pelo qual fiquei revoltada, foi porque o livro termina num dia comum no "anexo secreto". Depois ela e todos que estavam escondidos lá foram encontrados e levados para campos de concentração. 7 dos 8 morreram tragicamente nos campos. O único sobrevivente foi o pai de Anne, que foi quem decidiu publicar a 1ª edição de seu diário. ´
É tão ultrajante o modo como os humanos vivem. Estão sempre procurando alguém para odiar, matar, torturar. Não têm a mínima consideração ou respeito pela vida! Cheios de preconceitos sem o menor fundamento... Acho que no fundo é raiva de si mesmos, da sua incapacidade e da sua própria ignorância. As vezes parece que a esperança por um mundo melhor, em paz, sem guerras vai acabar, vai embora e nunca mais voltará. Mas isso não pode acontecer. Imagine, se a esperança acabar, aí sim o mundo estará perdido. É importante acreditar em ser feliz, porque os sentimentos bons são contagiosos (assim como os maus. Por isso, é preciso mantê-los bem longe!)
"Sei que sou uma mulher, uma mulher com força interior e muita coragem! Se deus me deixar viver, (...) vou fazer com que minha voz seja ouvida, vou para o mundo e trabalharei para a humanidade! Agora sei que primeiro é preciso ter coragem e felicidade!"- Anne Marie Frank, 1924-1945.

Bem, é isso... meus pensamentos sentimentais estão registrados.-- Laura Araujo, 17.05.01, quinta feira.

domingo, 8 de março de 2009

Se alguém, disposto a arrancar a máscara dos atores no momento em que desempenham seus papéis, mostrasse aos espectadores seus rostos mortais, não pertubaria ele a cena, não mereceria ser expulso do teatro como um extravagante? No entanto, tudo logo mudaria de feição: a mulher viraria um homem, o jovem viraria um velho. Os reis, os heróis, os deuses imediatamente desapareceriam, ver-se-iam em seus lugares apenas miseráveis e velhacos. Destruindo a ilusão, far-se-ia desaparecer todo o interesse da peça. É essa mascarada, esse disfarce que prende os olhos do espectador. Ora, o que é a vida? É uma espécie de comédia contínua em que os homens, disfarçados de mil maneiras diferentes, aparecem em cena, desempenham seus papéis, até que o diretor, depois de tê-los feito mudar de disfarce e aparecer ora sob a púrpura soberba dos reis, ora sob os andrajos repulsivos da escravidão e da miséria, força-os finalmente a sair do palco. Em verdade, este mundo não é senão uma sombra passageira, mas assim é a comédia que nele representamos todos os dias.

- "Elogio da Loucura", Erasmo de Rotterdam
Eu nunca me vi no espelho.

Eu olho o eu, mas não o vejo em mim.

Uma coisa sólida.

Imagem na parede de um quarto.


O “burguês”, como um estado sempre presente da vida humana, não é outra coisa senão a tentativa de uma transigência, a tentativa  de um equilibrado meio-termo entre os inumeráveis extremos e pares opostos da conduta humana. Tomemos, por exemplo, qualquer dessas dualidades, como o santo e o libertino. O burguês tenta caminhar entre ambos, no meio termo; tenta plantar-se em meio aos dois extremos, numa zona temperada vantajosa, sem grandes tempestades ou borrascas, e o consegue à custa do eu.  Mas o burguês não aprecia nada tanto quanto o seu eu (um eu na verdade rudimentarmente desenvolvido). À  custa da intensidade consegue, pois, a subsistência e a segurança; em lugar da posse de Deus cultiva a tranquilidade da consciência; em lugar do prazer, à satisfação; em lugar da liberdade, a comodidade; em lugar dos ardores mortais, uma temperatura agradável. O burguês é, pois, segundo sua natureza, uma criatura de impulsos vitais muito débeis e angustiosos, temerosa de qualquer entrega de si mesma, fácil de governar. Por isso colocou em lugar do poder a maioria, em lugar da autoridade a lei, em lugar da responsabilidade as eleições.    

- "O Lobo da Estepe", Hermann Hesse

sexta-feira, 6 de março de 2009

Um homem, um jovem e nosso herói.

 

            11 de fevereiro, de 1964:        

             Um homem. Um evento no Coliseu de Washington provoca total euforia nos cidadãos estadunidenses, que se deslocam de suas casas em direção ao local, na esperança de serem contemplados pela visão do Paraíso. No meio da multidão que se aglomera na porta do Coliseu está nosso herói acompanhado por sua mãe. Ele tem na mão esquerda um ingresso, e na direita um binóculo. Seu corpo, pequeno e fraco por não ter sido ainda modificado pela puberdade, luta contra os corpos ao seu redor para conseguir chegar ao portão e entrar. Atingido seu objetivo, procura um lugar na arquibancada e senta. Seu corpo sofre pequenos espasmos involuntários. Isso ocorre devido a grande excitação que o domina neste momento. Algum tempo depois, nosso herói ouve uma anunciação que sai pelos alto-falantes. Apesar de não ter identificado bem as palavras, ele sabe exatamente o que elas significam e antes que possa pensar em qualquer coisa, seu corpo já está erguido, todo o peso sustentado pelos dedos dos pés. Lá no palco, que se encontra a aproximadamente 40 metros de distância do corpo de nosso herói, surgem quatro corpos. Utilizando o binóculo, nosso herói chega mais perto desses corpos e os identifica. O corpo mais à frente no palco pertence a um homem. Este homem utiliza seu corpo, entre outras coisas, para cantar, praticar sexo, ir a passeatas contra a Guerra do Vietnã e tocar violão. Para nosso herói, a visão do homem é a visão do Paraíso. No seu cérebro, algo que não pode ser compreendido pelos atuais conhecimentos científicos está em ação. Vozes, cheiros, sons, choques formam uma orquestra magnífica, uma música particular e irreproduzível dentro da cabeça do nosso herói, ela ecoa por um tempo e o hipnotiza até que, do auto-falante, soa o primeiro acorde que sai do violão do homem mais à frente no palco que cala a música particular do cérebro do nosso herói. Um pingo de saliva escapa pelo canto de seus lábios.

 

            20 de agosto, de 1972:

             Um jovem. Um livro exposto na vitrine de uma livraria localizada a poucos metros do Central Park chama a atenção do nosso herói. Ele já tinha ouvido falar deste livro e já havia se interessado em adquiri-lo. O tal livro tem a narrativa em primeira pessoa. A primeira pessoa é um jovem que, após ter sido expulso do colégio interno em que estudava, faz o caminho de volta para a casa dos pais. Durante o percurso, o jovem fala sobre muitas coisas, conta algumas mentiras, ajuda uns transeuntes, revolta-se ao ler a palavra “foda-se” pichada na parede do Museu de História Natural, revela-se entediado, desesperançoso e um pouco deprimido. O jovem diz que se pudesse escolher, trabalharia em um campo de centeio, bem perto de um precipício, com uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa. Seria aquele que fica sentado, e agarra os garotinhos que correm sem olhar, antes que seus corpos caiam do precipício. Nosso herói, cujo corpo já atravessa a puberdade, identifica-se com o jovem cujo corpo também atravessa a puberdade.

            

            8 de dezembro, de 1980- pouco antes das 23hs:

             Nosso herói. Nosso herói encontra-se de pé, em frente ao edifício Dakota, em Nova York. Carrega na mão esquerda o livro do jovem, e na direita, uma arma com o cano ainda quente, conseqüência da fricção do projétil que acaba de percorrer o tal cano com uma velocidade aproximada de 500km/h. O projétil, a esta altura, já atingiu seu destino e encontra-se alojado entre as costelas do homem. O tal projétil, portanto, entrou em processo de resfriamento. O homem, cujo corpo agora abriga o projétil, está estirado no chão e o corpo, que um dia sustentou o homem e realizou uma parte das idéias que passavam pela sua cabeça, neste momento recusa-se a se mover regido pelo desejo do homem, mas sofre pequenos espasmos involuntários. Os espasmos involuntários ocorrem devido à batalha que o cérebro enfrenta ao tentar coordenar o corpo em condições extraordinárias. No caso, a condição é extraordinária, pois através do buraco deixado no corpo do homem pela entrada do projétil, jorra, em uma velocidade não determinada, uma grande quantidade de sangue, sangue este que, em condições ordinárias, encontrar-se-ia dentro do corpo do homem. O sangue que jorra encontra o chão, e forma uma poça. A poça já representa cerca de 20 por cento do total de sangue que o corpo do homem antes possuía. E a poça cresce.