sexta-feira, 6 de março de 2009

Um homem, um jovem e nosso herói.

 

            11 de fevereiro, de 1964:        

             Um homem. Um evento no Coliseu de Washington provoca total euforia nos cidadãos estadunidenses, que se deslocam de suas casas em direção ao local, na esperança de serem contemplados pela visão do Paraíso. No meio da multidão que se aglomera na porta do Coliseu está nosso herói acompanhado por sua mãe. Ele tem na mão esquerda um ingresso, e na direita um binóculo. Seu corpo, pequeno e fraco por não ter sido ainda modificado pela puberdade, luta contra os corpos ao seu redor para conseguir chegar ao portão e entrar. Atingido seu objetivo, procura um lugar na arquibancada e senta. Seu corpo sofre pequenos espasmos involuntários. Isso ocorre devido a grande excitação que o domina neste momento. Algum tempo depois, nosso herói ouve uma anunciação que sai pelos alto-falantes. Apesar de não ter identificado bem as palavras, ele sabe exatamente o que elas significam e antes que possa pensar em qualquer coisa, seu corpo já está erguido, todo o peso sustentado pelos dedos dos pés. Lá no palco, que se encontra a aproximadamente 40 metros de distância do corpo de nosso herói, surgem quatro corpos. Utilizando o binóculo, nosso herói chega mais perto desses corpos e os identifica. O corpo mais à frente no palco pertence a um homem. Este homem utiliza seu corpo, entre outras coisas, para cantar, praticar sexo, ir a passeatas contra a Guerra do Vietnã e tocar violão. Para nosso herói, a visão do homem é a visão do Paraíso. No seu cérebro, algo que não pode ser compreendido pelos atuais conhecimentos científicos está em ação. Vozes, cheiros, sons, choques formam uma orquestra magnífica, uma música particular e irreproduzível dentro da cabeça do nosso herói, ela ecoa por um tempo e o hipnotiza até que, do auto-falante, soa o primeiro acorde que sai do violão do homem mais à frente no palco que cala a música particular do cérebro do nosso herói. Um pingo de saliva escapa pelo canto de seus lábios.

 

            20 de agosto, de 1972:

             Um jovem. Um livro exposto na vitrine de uma livraria localizada a poucos metros do Central Park chama a atenção do nosso herói. Ele já tinha ouvido falar deste livro e já havia se interessado em adquiri-lo. O tal livro tem a narrativa em primeira pessoa. A primeira pessoa é um jovem que, após ter sido expulso do colégio interno em que estudava, faz o caminho de volta para a casa dos pais. Durante o percurso, o jovem fala sobre muitas coisas, conta algumas mentiras, ajuda uns transeuntes, revolta-se ao ler a palavra “foda-se” pichada na parede do Museu de História Natural, revela-se entediado, desesperançoso e um pouco deprimido. O jovem diz que se pudesse escolher, trabalharia em um campo de centeio, bem perto de um precipício, com uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa. Seria aquele que fica sentado, e agarra os garotinhos que correm sem olhar, antes que seus corpos caiam do precipício. Nosso herói, cujo corpo já atravessa a puberdade, identifica-se com o jovem cujo corpo também atravessa a puberdade.

            

            8 de dezembro, de 1980- pouco antes das 23hs:

             Nosso herói. Nosso herói encontra-se de pé, em frente ao edifício Dakota, em Nova York. Carrega na mão esquerda o livro do jovem, e na direita, uma arma com o cano ainda quente, conseqüência da fricção do projétil que acaba de percorrer o tal cano com uma velocidade aproximada de 500km/h. O projétil, a esta altura, já atingiu seu destino e encontra-se alojado entre as costelas do homem. O tal projétil, portanto, entrou em processo de resfriamento. O homem, cujo corpo agora abriga o projétil, está estirado no chão e o corpo, que um dia sustentou o homem e realizou uma parte das idéias que passavam pela sua cabeça, neste momento recusa-se a se mover regido pelo desejo do homem, mas sofre pequenos espasmos involuntários. Os espasmos involuntários ocorrem devido à batalha que o cérebro enfrenta ao tentar coordenar o corpo em condições extraordinárias. No caso, a condição é extraordinária, pois através do buraco deixado no corpo do homem pela entrada do projétil, jorra, em uma velocidade não determinada, uma grande quantidade de sangue, sangue este que, em condições ordinárias, encontrar-se-ia dentro do corpo do homem. O sangue que jorra encontra o chão, e forma uma poça. A poça já representa cerca de 20 por cento do total de sangue que o corpo do homem antes possuía. E a poça cresce.

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